segunda-feira, 30 de janeiro de 2012

De sonhos e realidades...

Antes, eu era uma menina de futuro, que iria longe. E eu queria mesmo ir longe: queria voar. Sonhava alto. Queria até ser aeromoça (sonhozinho clichê, né?). Sonhava que iria viajar e conhecer o mundo. Que iria conversar com gente em uma porção de idiomas diferentes. Que iria experimentar e gostar de um monte de comidas muito além do arroz com feijão e do frango com quiabo. 


Sonhava com meu apartamento, pequeno e aconchegante, onde eu iria morar sozinha e receber amigos pra tomar cerveja gelada e assistir filme comendo pipoca deitados no tapete peludo que eu ia comprar. Onde eu ia ouvir música alta e dançar e onde eu ia me sentar na beiradinha da varanda (mais conhecida como murinho de curar bode), ouvindo música romântica e curtindo uma dorzinha de cotovelo (é... eu já sabia que nem tudo seriam flores).


E eu teria meu emprego, bacana e bem remunerado. E chegaria em casa cansada e pediria uma pizza para comer enquanto assistia novela. E eu ia ter namorados (no plural mesmo). E sairia no fim de semana para uma botecada com os amigos e, depois, para dançar enquanto as pernas aguentassem.


Nesse tempo, mesmo que eu não falasse nada disso para ninguém (e eu não tinha muito com quem falar mesmo), as pessoas pareciam acreditar que eu iria fazer alguma loucura assim. E era loucura porque a norma era estudar, trabalhar, casar e ter filho(s) e não morar sozinha, trabalhar e pagar suas próprias contas, ter namorados (no plural) ao invés de marido (no singular) e receber amigos em casa (amigas, tudo bem, mas amigos nunca!). E a tal menina de futuro era olhada meio de ladinho, com o olho apertadinho de desconfiança.


Aí, o futuro chegou. Mas, não o futuro que eu esperava. Chegou foi um futuro mais normalzinho. Mais condizente com o que se deve esperar de uma boa (mas nem tanto) moça de família. O marido deveria ter vindo primeiro. Mas, o filho passou a perna e chegou antes (para desespero de muitos, quase todos, inclusive eu). Foi a fase mais ovelha negra de todos os tempos. Mas, aí, o resto do futuro se manifestou. O marido finalmente apareceu, devolvendo a normalidade ansiada por todos.


E a menina de futuro - que iria ter sua própria casa, pagar suas contas, ter amigos e namorados - virou uma respeitável senhorinha, dona de casa e mãe de família, que cuidava bem do maridinho e do filho deixava toda a família feliz e orgulhosa. E eu fingia que estava tudo bem, que eu estava feliz. Fingia tão bem que até acreditava. Na verdade, eu ficava feliz de ver todo mundo feliz com minha roupa de mulher adulta e certinha.


E o sonho de ter meu espaço, minha independência, de viajar e conhecer gentes, sabores, cheiros, paisagens, luzes e sons, de dançar pela casa afora com a música alta (nessa época eu não me importava em incomodar os vizinhos), de curtir uma deprê por causa de algum dos muitos namorados, de receber amigos pra comer pipoca e tals... ficou sufocado pelas louças pra lavar, a roupa pra passar, a casa pra limpar e os cuidados com a família, o trabalho e os estudos.


O problema é que, lá no fundo, aquela respeitável senhorinha, dona de casa e mãe de família ainda queria ser a menina de futuro. E ainda queria poder sonhar os sonhos de antes e mais um tanto de outros que não cabiam na vida certinha e esposa-mãe-filha-amiga-irmã que cuidava de todo mundo.


Aqueles sonhos todos, com o tempo, começaram a agonizar e a morrer e a apodrecer e a espalhar um mal cheiro insuportável, que só eu sentia. Não era mais possível ignorar que eles existiam e estavam ali, reclamando, reivindicando o direito de viver e de se realizar.


E eu descobri que quando os sonhos morrem dentro da gente, a gente morre um pouco também. Fiquei doente (chama depressão, a minha doença). Doente da cabeça, do coração e do corpo todo. Era eu morrendo junto com meus sonhos. Mas, eu não queria morrer. E meus sonhos também não. Então, não tive escolha: fiz respiração boca a boca e massagem cardíaca nos sonhos e em mim mesma, por tabela. Sobrevivemos!!!


Hoje, os velhos (e os reciclados) sonhos estão se rejuvenescendo, se fortalecendo e se revigorando. E eu, junto com eles. Tenho meu marido, meu filho, minha família. Agora, quero minha casa, meu trabalho, meus amigos e amigas. Quero minhas viagens. Quero conhecer gentes, lugares, paisagens, cores, gostos, cheiros, luzes... Quero assistir filme no tapete felpudo e comer pipoca (ou alguma outra coisa mais... adulta). Quero ir pra balada (mais light porque não tenho mais idade pra isso). Quero meu trabalho, do jeito que eu quero. Quero minha autonomia. Quero meus sonhos. E quero a mim mesma, menos senhorinha, menos respeitável, menos mãe do mundo.


Quero voar!!!

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