sexta-feira, 25 de maio de 2012

Pequenas vontades

A vontade hoje é de um olhar
Daqueles que me fazem ter certeza
de que eu existo mesmo
Daqueles que me olham toda, ou quase
Daqueles me veem, decifram, ou tentam


A vontade hoje é de um abraço
Daqueles que abraçam o corpo todo
e até um pedacinho da alma
Daqueles que aquecem, que aninham
Sem ferir, sem cortar, sem doer, sem sangrar


A vontade hoje é de conversa
Daquelas que constroem ideias
que enxergam mudanças
Daquelas de presentes e futuros
sem passados e defuntos e velórios
Daquelas que falam e que ouvem
Que fazem brotar sorrisos e risadas, se possível
Conversa boa, de amigo
Sem lâminas, sem cortes, sem censuras
Conversa leve e macia e suave


A vontade hoje é de coisa boa
De coisa bela e simples
A vontade hoje é de viver leve

Compartimentos

Num mundo aí, existem dois compartimentos hermeticamente separados: em um cabem as coisas e pessoas boas e no outro, as coisas e pessoas más. Numa determinada situação, duas criaturas, que chamaremos de A e B, entram em conflito e, portanto, não podem conviver num mesmo compartimento.


Acontece que A sempre deve ser posicionada no compartimento das coisas e pessoas boas. Assim, caberia a B ser alocada entre as coisas e pessoas más. Mas, por um decreto qualquer, B não pode ser colocada lado a lado com as coisas e pessoas más. Não que ela não seja má, mas é porque... bem... não tem porque nenhum. Não pode e pronto. 


Assim, fica o dilema: o que fazer com B? Ela não pode ficar com A no compartimento das coisas e pessoas boas (pelo menos até que ela pare com o que quer que seja que vem provocando esse conflito e se torne, efetivamente, uma pessoa boa) e nem pode ser colocada no compartimento das coisas e pessoas más. 


A solução encontrada... criar para B uma espécie de limbo, uma zona morta em que ela possa pairar, meio sombra, meio translúcida, meio nada; reduzi-la à invisibilidade, à um certo tipo de transparência, a uma meia inexistência até que ela possa se redimir, apagar o conflito com A e voltar a conviver (sob tutela e liberdade vigiada) no compartimento das coisas e pessoas boas. E assim, meio-vive B... nas brumas, numa dimensão esquecida qualquer.

terça-feira, 15 de maio de 2012

Desejos e delícias

Começa num olhar
com um brilho de malícia
Depois, palavras que provocam
E as mãos tocam, quase de surpresa
E aí, é a pele que incendeia 
Com um arrepio de delícia


E a língua
molhada de urgência
e o hálito
e a respiração entrecortada
e os suspiros e sussurros
e gemidos de delírio
e o corpo inteiro
entregue, descontrolado
e dois que viram um
e se completam, se entretecem
e se despojam de não-podes e não-deves
e se abandonam no ritmo
de te-amos e te-queros
e se perdem emaranhados
em febris paraísos


E depois são as lembranças
as saudades, os anseios
e as memórias insistentes
e os pensamentos desgovernados
que despertam o corpo
com arrepios e tremores
e se revelam em sorrisos meio bobos
e suspiros incontidos
e denunciam os pecados inconfessos
pelos quais vale a pena se perder

segunda-feira, 14 de maio de 2012

Inverno de corpo e alma

É um frio que vara a pele
corta a carne
trinca os ossos
e chega à alma

É um frio que vai no fundo
que fere, dilacera e aflige
Um frio de angústia
de saudade e de desejo

Não é frio para agasalho
cobertor e aconchego
É frio que pede fogo, corpo e pele
Frio que pede boca e língua
Que tem febre de loucura
Que tem sede de saliva
Que tem fome de você

quarta-feira, 2 de maio de 2012

Helena e eu

Não. Não estou com saudade dela. Mas, acordei pensando nela hoje. Aliás, ela tem estado presente nos meus pensamentos nos últimos tempos. Na verdade, acho que ela nunca saiu dos meus pensamentos, mesmo já tendo ido embora da minha vida há quase 20 anos. Só que hoje é diferente. Acordei imaginando em como seria encontrá-la depois de tanto tempo. Eu, um cadim nais adulta, um tico mais madura. E ela, quem sabe, curada de suas dores e rancores. 
Não queria a mãe, queria a mulher. Queria conversar, sem perdões, sem senãos, sem sermões. Talvez me visse nela, talvez me visse através dela, talvez simplesmente a visse, ela e só ela. Talvez uma conversa, quem sabe um abraço, uma torrente de lágrimas ou só um sorriso.
Não, não é saudade. Não gostaria de vê-la como ela era, sofrida, doída, amarga. Queria vê-la bem, inteira, completa, madura, feliz, se possível. Queria aprender com ela e, quem sabe, ensinar algumas coisas. Mostrar meu mundo, meus mundos. Me mostrar. Se ela iria gostar do que veria, não sei. E também queria ver, conhecer, entender.
Não, eu não quero minha mãe. Não quero a Donelena de 20 anos atrás. Queria conhecer a mulher, parceira de tantas características compartilhadas sem saber. Hoje eu queria ela, a Helena.