Aí um dia, a casa ficou velha
demais. Paredes descascadas e trincadas, canos entupidos, mofo pelos cantos,
piso encardido, janelas e portas emperradas, vidros trincados, lâmpadas
queimadas, fiação à beira de um colapso. As opções: uma reforma superficial, só
remendos; uma reforma mais profunda, mantendo as estruturas ou derrubar tudo e
construir de novo. Pelo tamanho dos estragos, a terceira alternativa era a mais
viável. Engenheiros, arquitetos, mestres de obras, pedreiros... todos
concordavam.
Derrubam as primeiras paredes.
Poeira e escombros. Começam a erguer paredes novas. Tijolos e reboco. Tudo
segue. Insalubre, mas com expectativas interessantes. Um dia, a tragédia. Caem
as paredes velhas, todas de uma vez. E elas levam junto as novas que ainda não
estavam totalmente prontas. Cai tudo. Só escombros. Só entulho. Só tristeza.
Sem ter para onde ir, o recurso é
ficar. Juntar tijolos quebrados e ripas de madeira e improvisar uma barraca.
Suja. Insalubre. Desconfortável. Não é uma casa. Não é sequer um abrigo. É provisório,
até a casa nova ficar pronta. Não é fácil, mas é possível se acostumar a
situações extremas assim. O problema é quando chove. A poeira vira barro. O
abrigo vira alagadiço. O medo assola. O desconforto cresce. O desespero também.
E a sensação de que aquilo nunca vai terminar. A casa nunca vai ficar pronta.
Aí, o sol volta. Mexe daqui, mexe
dali e a barraca fica semi-habitável de novo. Apesar de tudo, o contentamento
volta. A expectativa cresce. E a casa nova? Quantos quartos: um só ou vários,
para receber amigos e família? E a sala: pequena e aconchegante, só pra ver TV
ou espaçosa e confortável para receber muitos amigos? E a cozinha:
superequipada com fogão grande, forno a lenha, para fazer comidinhas para
batalhões ou funcional, só com um fogão básico e um microondas, para não
precisar se preocupar em fazer comida. E o jardim: plantas medicinais,
ornamentais ou venenosas para espantar os intrometidos?
E aí, mesclam-se os sonhos da
casa novinha em folha, linda e perfeita com a realidade de viver entre
escombros, sujo, mal-cheiroso, doentio. Chuva vai, chuva vem. Constrói,
derruba, constrói de novo. Planeja, executa, repensa os planos, corrige. Será
que um dia vai dar ser possível sair dos escombros da casa velha? Será que dá
pra construir a casa nova sem usar parte desses escombros, já desgastados e
cheios do ranço da casa velha? Será que um dia essa casa nova fica pronta? E
como ela vai ser? Linda, perfeita ou assombrada e claustrofóbica como a velha?
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